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Centro de SP tem exemplos de recuperação de áreas como saída para falta de moradia

O incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo, trouxeram à tona a necessidade e a oportunidade de reformar prédios e recuperar áreas abandonas nos centros das metrópoles brasileiras para transformá-los em moradias de interesse social. Há exemplos na própria capital paulista, como o do edifício Riachuelo, requalificado, e o do Complexo Júlio Prestes, em construção na antiga região da “Cracolândia”.

 

“Dizem que as tragédias nos fazem aprender lições para podermos então seguir em frente, restando aproveitar um episódio trágico como o ocorrido para buscar formas não ortodoxas de evitar repetições. É preciso, fundamentalmente, recuperar áreas e prédios abandonados. Temos que rever a legislação para aprovar reformas, ainda centrada em parâmetros do modernismo arcaico que rege todas nossas leis de uso e ocupação do solo e códigos de obras”, defende a arquiteta e urbanista Elisabete França, diretora de Planejamento e Projetos na Companhia de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), professora da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e do Núcleo USP Cidades.

 

EDIFÍCIO RIACHUELO

 

Edifício Riachuelo: prédio de escritórios foi requalificado e reformado para moradia de 120 famílias

Edifício Riachuelo: prédio de escritórios foi requalificado e reformado para moradia de 120 famílias (Foto: Paulo Bruna/Arquivo Pessoal)

 

“O centro tem uma infraestrutura excelente. Tem coleta de lixo, tem água, tem esgoto, tem linhas de metrô. E sofre com espaços vazios, prédios abandonados, falta de conservação”, critica o arquiteto e urbanista Paulo Bruna, responsável pelo projeto de requalificação do Edifício Palácio do Comerciário Alexandre Marcondes Filho, conhecido como “Edifício Riachuelo”, na esquina da Rua Riachuelo com a Avenida 23 de maio. O prédio, de 17 andares, abriga hoje 120 apartamentos de 46 a 52 m².

 

“Um levantamento feito pelo Fábio Mariz, professor da FAU/USP, identificou 190 prédios na área central que poderiam ser transformados em habitações sociais. Não é preciso levar as pessoas para longe”, defende o profissional.

 

Antes: Edifício Riachuelo, construído em 1943, tinha janelas quebradas, fachada pichada e encanamentos furtados - água da chuva tomava conta da maioria dos pavimentos

Antes: Edifício Riachuelo, construído em 1943, tinha janelas quebradas, fachada pichada e encanamentos furtados – água da chuva tomava conta da maioria dos pavimentos (Foto: Paulo Bruna/Arquivo Pessoal) 

 

Requalificado, o Riachuelo teve seus apartamentos vendidos a preços populares para pessoas cadastradas na lista da Prefeitura de São Paulo. As parcelas variam em torno de R$ 200. “Inicialmente, o prédio seria destinado ao programa de aluguel social. Mas como houve a necessidade de demolir o Edifício San Vito, que ficava em frente ao Mercado Municipal, a Prefeitura decidiu transformar o Riachuelo em habitação definitiva e deu prioridade aos desalojados. O restante dos apartamentos foi vendido em menos de uma semana a moradores inscritos na lista. O interesse foi muito grande”, conta Paulo Bruna.

 

Paulo alerta, entretanto, para a necessidade de equipes multiprofissionais qualificadas, já que há diversos desafios técnicos. “Esse prédio foi construído em 1943. Nessa época, não tinha aço no país para construção. Precisávamos identificar a estrutura, mas os projetos tinham se perdido, sido jogados fora. A equipe fez do zero. Fizemos provas de carga com medidores de deformação em todos os andares. Como o prédio se mantinha íntegro e em boas condições com uma estrutura tão leve? Descobrimos que os engenheiros que o construíram fizeram paredes com tijolos maciços na perpendicular à fachada. Isso faz a estrutura reagir às pressões externas como um contraventamento”, relata.

 

Planta do 14º andar: para manter a estrutura, paredes dos antigos escritórios não puderam ser derrubada

Planta do 14º andar do projeto de requalificação: para manter a estrutura, paredes dos antigos escritórios não puderam ser derrubada (Imagem: Paulo Bruna/Arquivo Pessoal)

 

A solução foi a adaptação. “Não pudemos então tirar as paredes que dividiam os escritórios originais. Cada um dos 120 virou um apartamento com a metragem original”. Para o profissional, a Arquitetura Social representa um mercado em evidência. “São trabalhos relativamente mais difíceis. Você tem que ter muito mais capacidade de adaptação, mas há muito o que fazer nessa área. Há muitas possibilidades”.

 

Na visão do arquiteto e urbanista Paulo Bruna, o desabamento no Largo do Paissandu expõe a necessidade de desocupar e investir rapidamente em reformas nos prédios ocupados no Centro para realocar pessoas sem moradia, a exemplo do Riachuelo. “Não há outra via possível. É preciso que os moradores saiam para que sejam feitas avaliações e reformas e, quando voltarem, seja para um lugar com condições, para que possam ter segurança e cuidar. E geralmente cuidam muito bem, ao contrário do senso comum. Os moradores do Riachuelo se apropriaram do espaço, repintaram as paredes por dentro e ele continua conservado”, conta.

 

COMPLEXO JÚLIO PRESTES

 

Complexo Júlio Prestes, ainda em construção - a praça e, ao fundo, as duas torres já entregues

Complexo Júlio Prestes, ainda em construção – a praça e, ao fundo, os dois edifícios residenciais já entregues (Foto: Biselli Katchborian Arquitetos Associados)

 

Também no Centro de São Paulo, há um exemplo de outro caminho para a mesma finalidade: o Complexo Júlio Prestes. Os prédios na área, próxima à região da antiga “Cracolândia”, estão sendo construídos do zero. Já são duas torres residenciais – Duque de Caxias e Santa Ifigênia. A previsão da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP) é de que mais seis sejam entregues até o final de agosto.

 

A área abrange duas quadras vizinhas à Praça Júlio Prestes, em frente à estação de trem e à Sala São Paulo, local de referência da música erudita nacional. “Cinco dos prédios residenciais estão na chamada quadra 49, onde ficava a antiga rodoviária interestadual. No local, será feita também a nova sede da Escola de Música Tom Jobim. A quadra 50 abrigará outras três torres, além de uma creche pública. Todos os prédios terão espaço para comércio e serviços no térreo”, explica o arquiteto e urbanista Mario Biselli, que coordena o projeto em parceria com o sócio, Artur Katchborian.

 

Canteiro de obras no início da construção do Complexo Júlio Prestes, em 2016

Canteiro de obras no início da construção do Complexo Júlio Prestes, em 2016 (Foto: Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo)

 

Na visão de Biselli, a velocidade da execução do projeto, iniciado ao final de 2016, demonstra que o caminho para o déficit de moradias passa pelas parcerias público-privadas (PPP), como é o caso do Complexo Júlio Prestes. A Prefeitura fez a doação da maior parte dos terrenos ao Estado e a Cohab-SP firmou a parceria com um grupo empresarial para a realização do projeto e da obra.

 

“O problema da moradia sempre envolve um grande protagonismo do Poder Público. O mecanismo da PPP, na minha opinião, é o melhor até agora. Em um ano de obra, três torres estão prontas e uma já foi entregue. O empreendedor tem interesse em entrar logo porque ele só tem retorno financeiro na medida em que entrega”, explica Mario Biselli.

 

Complexo terá sete edifícios residenciais com comércio no térreo, a Escola de Música Tom Jobim, praça comercial no formato 'boulevard', quadra poliesportiva e creche pública

Complexo terá sete edifícios residenciais com comércio no térreo, a Escola de Música Tom Jobim, praça comercial no formato ‘boulevard’, quadra poliesportiva e creche pública (Imagem: Cohab-SP)

 

De acordo com a Cohab-SP, o projeto do Complexo Júlio Prestes terá 1.202 moradias. Dessas, 1.130 serão destinadas à habitação de interesse social, para famílias com renda mensal de até R$ 4.344. Outras 72 são as chamadas “habitação de mercado popular”, para famílias com renda até R$ 8.100.

 

O arquiteto e urbanista conta que o principal entrave no desenvolvimento do projeto não é a peculiaridade do local ou a falta de recursos, mas a burocracia. “Nosso maior obstáculo até aqui é a necessidade de aprovação de projetos pelas várias instâncias da Prefeitura. Fazemos um esforço muito grande para que isso não atrapalhe o andamento”, relata. “No mais, não vejo como obstáculo. Tratar as coisas no âmbito da Arquitetura não são empecilho, são o nosso barato”.

 

Renderização do projeto do Complexo Júlio Prestes, na região da Luz, em São Paulo

Renderização do projeto do Complexo Júlio Prestes, na região da Luz, em São Paulo (Imagem: Cohab-SP)

 

Para ele, a solução a curto prazo para reverter a deterioração dos centros metropolitanos e, ao mesmo tempo, amenizar o déficit habitacional, problemas em evidência com o desabamento do prédio no Largo do Paissandu, inclui necessariamente parcerias com a iniciativa privada. “Não vejo como a Prefeitura possa ser rápida nesse processo. Estado e União também não, por problemas de caixa e questões burocráticas. Não tem a agilidade que precisa. Essas coisas tendem a funcionar com o auxílio da iniciativa privada. Digo por essa experiência. Estou vendo a celeridade como tudo está se desenvolvendo”.

 

Na visão de Biselli, a revitalização das áreas degradadas e a ocupação delas por residências andam juntas. “Não sei como o estado pode administrar isso. Mas sei que é possível resolver pela boa técnica. Sei que esse método funciona”, garante o profissional. A habitação é o elemento fundamental para trazer vida ao lugar. Não adianta fazer um monte de equipamento se a pessoa não mora ali”, defende.

 

SÉRIE ESPECIAL DE REPORTAGENS

 

Esta reportagem faz parte de uma série especial do CAU/BR e dos CAU/UF que está mostrando o trabalho de arquitetos e urbanistas que, superando orçamentos reduzidos e unificando diferentes opiniões, conseguiram desenvolver moradias dignas e de qualidade para as famílias de baixa renda.

 

Você atua em projetos de habitação social? Envie um e-mail para habitacaosocial@caubr.gov.br falando sobre o seu trabalho na área. Não se esqueça de inserir os autores dos projetos, contatos das pessoas envolvidas (arquitetos, autoridades e beneficiários), com um breve descritivo do projeto e até três fotos/ilustrações. Se sua história for selecionada, o CAU entrará em contato para produzir uma reportagem especial sobre os projetos.

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